Na primeira semana de novembro, concluí uma imersão em gestão de cooperativas de crédito na província de Quebec, Canadá. Além do aprendizado técnico e das trocas enriquecedoras com o movimento cooperativista local, tive a chance de vivenciar um pouco da cultura canadense, marcada pela coexistência de duas identidades distintas — a francófona e a anglófona.
O ex-primeiro-ministro canadense Pierre Trudeau (pai do atual primeiro-ministro Justin Trudeau) certa vez usou a expressão “duas solidões” para descrever o Canadá, referindo-se à separação cultural entre esses dois grupos. No Quebec, a influência francófona é predominante, com o francês como língua oficial e uma identidade cultural que contrasta com o restante do país, majoritariamente anglófono. Essa divisão já foi tema de dois referendos sobre a independência do Quebec, em 1980 e 1995, ambos com resultados apertados, mas que decidiram pela permanência na federação.
Olhando para o Canadá hoje, essa união tem se mostrado uma fonte de força. Como uma única nação, o país tem maior presença e estabilidade no cenário mundial. Dividido, talvez perdesse o peso econômico e geopolítico que desfruta atualmente. Esse exemplo de força coletiva nos lembra dos princípios que sustentam o cooperativismo, no qual atuo, onde a união de indivíduos em torno de um bem maior gera resultados que cada um, isoladamente, dificilmente alcançaria.
No movimento cooperativista no Quebec, especialmente com o caso da Desjardins, vemos um exemplo de como a união pode construir algo poderoso. Como cooperativa de crédito, a Desjardins é mais que uma instituição financeira — é um agente de transformação social, oferecendo oportunidades e fortalecendo suas comunidades. Ao juntar recursos e compartilhar responsabilidades, seus cooperados ganham acesso a uma rede de apoio e a soluções que, sozinhos, não teriam.
Essa reflexão sobre “duas solidões” unidas por um bem maior também tem muito a dizer ao Brasil de hoje, onde enfrentamos uma crescente polarização política. Nossas divisões internas — que se expressam nas diferentes visões de mundo e, muitas vezes, em um radicalismo que impede o diálogo — podem acabar enfraquecendo o país. Tal como o Canadá decidiu permanecer unido, o Brasil também pode se beneficiar ao olhar para o que realmente importa: objetivos maiores que beneficiem a todos.
No cooperativismo, as diferenças são uma força que possibilita uma pluralidade de soluções e de perspectivas. Da mesma forma, a democracia se fortalece quando buscamos ouvir uns aos outros e construir pontes. Nossas divergências são reais, mas se colocadas em prol de um bem comum, podem ser o caminho para um futuro mais justo e próspero.
O Canadá e o cooperativismo nos ensinam que respeitar diferenças e construir juntos são estratégias poderosas para enfrentar desafios e conquistar objetivos. No fim, o que importa não é se somos “duas solidões”, mas o que escolhemos fazer para construir algo maior.
Duas Imensas Solidões
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